Vá embora, De Arrascaeta! E não volte.

Lembro-me de quando vi Arrascaeta pela primeira vez. Era uma partida válida pela Copa Libertadores da América, do ano de 2014.

O ônibus do time do Defensor, do Uruguai, entrava lentamente no estádio Mineirão, escoltado por diversos policiais.

Em volta, um verdadeiro inferno azul, formado por gritos, fogos de artifício, bandeiras e uma multidão de torcedores cruzeirenses, que gritavam palavras de ordem, para intimidar o adversário do Cruzeiro naquela noite.

O ônibus era um modelo duplo-deck, esses de dois andares, mas dava para ver nitidamente os jogadores do Defensor inclinados nervosamente na janela.

Dois rostos destacavam-se, na penumbra interna do veículo. Em uma das janelas podíamos ver Gedoz, um jogador brasileiro, que servia à equipe uruguaia.

Em outra janela, um pouco mais à frente, estava Arrascaeta, então uma jovem e tímida promessa do futebol sul-americano, quase desconhecido da mídia futebolística.

Uma coisa imediatamente me chamou a atenção: ao contrário de Gedoz, que se mantinha estranhamente calmo, diante do mundo azul que o tentava intimidar, Arrascaeta estava muito nervoso e ansioso.

Nada anormal, já que ele era um atleta jovem, que jogaria, em instantes, contra uma equipe muito maior do que a sua, em um jogo de grande importância para seu clube e suas aspirações pessoais.

Quando entrou em campo, a jovem promessa deixou o nervosismo de lado e começou a se mostrar, naquele jogo, para o futebol mundial.

Deu assistência para o primeiro gol do Defensor e ainda fez o segundo, impondo ao Cruzeiro um amargo empate em 2×2, em pleno estádio Mineirão. Aos traumáticos 48 minutos do segundo tempo.

No ano seguinte, 2015, foi oficialmente contratado pelo Cruzeiro e, naquele momento, nasceu De Arrascaeta, agora, sim, uma real promessa para o futebol mundial, visto que usaria um dos mais sagrados mantos do futebol sul-americano e, porque não dizer, do futebol mundial.

A segunda vez em que o vi, já vestindo o uniforme do Cruzeiro, foi no estacionamento G2 do Mineirão, lugar onde são estacionados os veículos de luxo dos jogadores, além dos demais carros de autoridades, membros da imprensa e usuários de camarotes e cadeiras especiais (meu caso).

O jogo havia acabado e meu filho e eu esperávamos para tirar fotos com os atletas e com a comissão técnica, um passatempo a que nos dedicamos desde 2013, quando o novo Mineirão foi reinaugurado.

Arrascaeta chocava por ser muito franzino. Nem de longe imaginávamos que aquele garoto, que tinha a compleição física de um menino, seria, um dia, ídolo de uma das grandes torcidas de futebol do Brasil.

Pequenino e frágil, usava um capuz para encobrir sua cabeça, deixando à mostra somente o rosto, quase imberbe. Olhava para baixo o tempo todo, como se tivesse vergonha. Ou medo da multidão de torcedores que começavam a assediá-lo.

Para que as pessoas que não são cruzeirenses possam entender o motivo de toda a revolta de nossa torcida contra a saída do jogador para o Flamengo, é importante que conheçam esse breve histórico do jogador.

Não foi a saída dele que nos irritou, mas sim a forma como isso aconteceu.

Chegou fraco, franzino e inseguro, tendo recebido do Cruzeiro todo o apoio, até mesmo para conseguir ganhar massa muscular, já que era “leve” demais para o futebol atual.

Para os que não sabem, o Cruzeiro é um time-família. Abraça e acolhe a todos que chegam, com afeto e generosidade.

Atletas, principalmente os mais jovens, são tratados de forma carinhosa e pessoal. Quantos clubes no Brasil teriam mantido o zagueiro Dedé, após tamanho histórico de contusões que, para muitos, tornariam-no inviável para o futebol?

O Cruzeiro deu à Arrascaeta não somente o suporte técnico, médico, fisioterápico e nutricional, mas toda a assistência psicológica para não “queimar” a jovem promessa, já que o uruguaio nunca soube lidar bem com pressão, apesar de ter sido decisivo em algumas partidas, certamente fruto do suporte do grupo de jogadores e de Mano Menezes, de quem o jogador sequer se despediu, antes de virar as costas para o clube.

Encorpado, alimentado, treinado e preparado emocionalmente, De Arrascaeta foi convocado para a seleção de seu país. Pouco fez durante a Copa do Mundo, mas voltou e recebeu, novamente, todo o suporte do Cruzeiro.

Ignorou tudo isso e, de forma lamentável, encerrou sua a relação com o Clube que lhe projetou. Mais do que isso: com o clube que o acolheu, como dificilmente outro o fará. Não de forma tão afetuosa.

Não se trata de querer privar um jogador de crescer profissionalmente, de querer receber mais. Isso é comum, já que o futebol profissional contemporâneo preconiza o TER, em detrimento do SER.

A forma como saiu, e como fechou as portas do time que dele tão bem cuidou, mostrou uma face de seu caráter, que será uma marca que o acompanhará para o resto de sua vida.

E não adianta tentar colocarem a culpa em algum empresário supostamente ambicioso. O jovem uruguaio é um homem, adulto e independente, e deve ser responsabilizado por suas atitudes e submeter-se às consequências delas.

Cruzeiro é time grande, time de massa, acostumado a ganhar títulos, assim como o é o Flamengo.

Contudo, o rubro-negro da Gávea encontra-se refém de sua história recente, onde não ganha títulos importantes há anos. Lá, a pressão vai ser muito, mas muito maior.

E todos sabemos que De Arrascaeta não aguenta pressão. Se por dinheiro, virou as costas para o Cruzeiro e saiu, sem se despedir até de seus colegas, o que faria por medo?

Se abandonou o Cruzeiro, que tudo lhe deu, o que impedirá de fazer o mesmo com o Flamengo, quando o Maraca começar a tremer e a cobrar?

Como diria o rapper Eminen, na música LOSE YOURSELF, o jovem uruguaio terá, no Flamengo, apenas ONE SHOT, ONE OPORTUNITY.

Sim, um tiro, uma oportunidade. Apenas uma chance para dar certo.

Não falhe! A grande nação rubro-negra não o perdoará, caso isso aconteça.

Se você não valer o que pagaram, e o Flamengo ficar, novamente, apenas, sentindo o cheirinho de títulos, você experimentará um outro tipo de odor: o do medo.

Ou, o que é pior: o amargo perfume do ostracismo, do esquecimento.

Pode ser que minhas palavras pareçam de rancor. E devem ser mesmo.

Sou passional e amo o meu Cruzeiro. Estamos todos magoados com a forma ofensiva como esse jogador literalmente cuspiu no prato que o alimentou, usando de uma expressão popular.

Pelo menos me declaro parcial, e não me escondo sob o falso manto da isenção jornalística, expediente usado por alguns maus profissionais de mídia que torcem descaradamente para esse ou aquele time, enquanto publicam informes publicitários disfarçados de notícias.

Não se esqueça de que a bela e vitoriosa história do Cruzeiro continua, assim como a do Flamengo, enquanto a do jogador, que sai pela porta dos fundos da Toca da Raposa, ainda deve ser escrita.

Você manchou a sua história, não a nossa.

A galeria de ídolos do Cruzeiro possui centenas de jogadores que marcaram as chamadas páginas heróicas imortais. Brasileiros ou estrangeiros, homens de fibra e de caráter escreveram no livro eterno do Clube.

Somente usando o passado recente, podemos citar Everton Ribeiro, Goulart, Sorin, Alex, dentre outros, que entraram de forma definitiva para a história de sucesso do Cruzeiro.

Não somente pela forma como jogaram e defenderam o manto azul, mas, principalmente, pela maneira como saíram. Ou como encerraram suas carreiras. Acredite, De Arrascaeta, um dia, sua carreira vai terminar.

O que sobrará, quando você olhar para trás?

Homens de caráter e pessoas decentes saem pela porta da frente, pela porta que entraram, e não têm vergonha de olhar nos olhos de quem os recebeu. Homens de verdade não olham para o chão, pois não tem vergonha de seus atos.

Não conheço sua história, nem sei das dificuldades pelo que passou até se tornar um jogador de ponta.

Parece, porém, faltar-lhe conhecimento sobre a história e a vida dos milhões de torcedores cruzeirenses que insuflaram seu ego nas arquibancadas, proporcionando-lhe contratos financeiros sempre mais polpudos.

Você nem imagina pelo que passam uma mulher, um homem ou uma criança, em um país pobre, com tantas misérias e desigualdades, para ir a um estádio de futebol, gritarem e incentivarem o time do coração, ou comprarem a camisa 10, que você usou, mas onde cuspiu ao sair como saiu.

Não me refiro, apenas, aos milhões de pobres que, muitas vezes, deixam de comer, para prestigiar o time que os representa.

Jogadores são guerreiros, que entram nas partidas, com a missão de lavar a alma de todos. Como heróis azuis, rubro negros, de todas as cores, que lutam, em nome de milhões, contra as injustiças e mazelas que a sociedade impõe aos que pouco ou nada possuem.

Para nós, é paixão. Para você, é dinheiro. Pena que não soube entender isso e separar uma coisa da outra.

Torço, ironicamente, para que você continue a brilhar. Primeiro porque tenho afinidade e simpatia pelo Mengão.

Além disso, você é um bom jogador. Talvez seja mesmo um craque. Proporcionou-nos, nesses anos, muitas alegrias, vitórias e conquistas.

Como apaixonado pelo futebol que sou, gosto do talento, que você parece ter.

Dificilmente, todavia, a vida deixa de cobrar daqueles que separaram o ESTAR do SER.

Nossas atitudes, tanto as certas quanto as erradas, nos acompanharão pelo resto de nossas vidas. Assim como suas consequências. Para muito além dos 40 anos de idade, quando se encerra a carreira de um jogador de futebol.

Você, todavia, é jovem. Ainda tem muito a aprender, como todos nós.

Se existe alguém que pode mudar, esse alguém é jovem. Pois a juventude sempre tem, diante de si, nada menos que o futuro. Ainda que a juventude, um dia, acabe.

 

André Mansur Brandão
Diretor-Presidente, Advogado e Escritor

ANDRÉ MANSUR ADVOGADOS ASSOCIADOS

Participaram, também, Mônica Mansur, como revisora e André Victor Mansur, como pesquisador.

 

 

 

 

 

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