E-mails indicam que bancos ajudaram a ocultar fraude bilionária nas Americanas

Documentos que fazem parte das investigações sugerem que bancos como Itaú, Santander e ABC Brasil ocultaram informações financeiras da auditoria.

Em janeiro de 2023, as Lojas Americanas revelaram uma fraude contábil de R$ 20 bilhões, o maior caso desse tipo no Brasil. Documentos, que fazem parte das investigações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sugerem que bancos como Itaú, Santander e ABC Brasil ocultaram da auditoria, feita pela rede KPMG, informações financeiras extremamente relevantes. A Klynveld Peat Marwick Goerdeler (KPMG) é uma rede global de firmas independentes que prestam serviços de auditoria, consultoria e assessoria tributária.

Os documentos incluem e-mails que mostram que os bancos inicialmente incluíram operações de risco sacado nos relatórios enviados à auditoria, mas posteriormente corrigiram os documentos para omitir esses dados. Isso ocorreu apesar dos pedidos explícitos da KPMG para que todas as operações financeiras fossem incluídas.

As Americanas usavam amplamente a modalidade de crédito chamada risco sacado, em que o banco compra débitos que a varejista tem com seus fornecedores, pagando adiantado e ficando com a dívida. Essas operações, porém, não foram registradas adequadamente nos balanços, o que ocultou os prejuízos reais da empresa.

Em mensagens trocadas desde 2017, fica claro que os bancos e a varejista tinham conhecimento da ocultação das informações. Emails mostram que, ao perceber o deslize, as instituições financeiras enviavam versões corrigidas das planilhas, em que o risco sacado desaparecia.

A auditoria KPMG, mesmo recebendo informações corrigidas, emitiu pareceres sem ressalvas sobre os balanços de 2018 das Lojas Americanas e da B2W. A auditoria afirmou à CVM que, como os bancos corrigiram diretamente os documentos, os auditores não tinham motivos para questionar a legitimidade das informações prestadas.

Os documentos obtidos também indicam que a varejista tratava abertamente com os bancos sobre as operações de risco sacado e sugeria como abordar o assunto caso a auditoria questionasse as operações. Em nota, as Americanas afirmaram que continuam colaborando com todas as investigações.

Os bancos envolvidos emitiram declarações defendendo suas ações. O Itaú afirmou que sempre prestou todas as informações corretas e completas às auditorias e reguladores. O Santander repudiou qualquer insinuação contrária à lisura de sua relação com a Americanas.

O banco ABC Brasil também corrigiu sua carta de circularização, omitindo operações inicialmente incluídas. A prática de corrigir as informações enviadas à auditoria ocorreu repetidamente desde 2017, segundo documentos enviados pela KPMG à CVM.

Em 2019, após receber novas retificações dos bancos, a KPMG questionou a administração das Americanas sobre o risco sacado. A varejista respondeu que não tinha conhecimento detalhado das operações, alegando que a negociação era entre fornecedores e bancos.

No entanto, outra parte da documentação mostra que as Americanas participavam ativamente das tratativas relativas ao crédito para os fornecedores. A empresa tinha convênios com vários bancos e negociava taxas e contratos diretamente.

A investigação da CVM revelou que o risco sacado era usado como uma extensão de prazo para a varejista quitar suas compras, e não um pedido de antecipação de pagamento feito pelo fornecedor. Isso indicava a intenção de convencer a auditoria de que a operação não tinha relação com a Americanas.

A Polícia Federal deflagrou em junho a operação Disclosure, com mandados contra 14 ex-executivos da varejista. O ex-CEO Miguel Gutierrez foi preso, mas solto no dia seguinte. As investigações continuam.

Desde que o escândalo veio à tona, a CVM abriu dois inquéritos administrativos, além de 21 processos administrativos, dos quais 13 foram encerrados e oito continuam em andamento. Há também dois processos sancionadores envolvendo ex-executivos da empresa.

O Congresso instaurou uma CPI sobre a fraude nas Americanas, que apresentou seu relatório final sem pedir nenhum indiciamento. A CVM não comenta casos específicos, mas as investigações continuam em curso.

As Americanas reafirmaram em nota que seguem contribuindo com todas as investigações conduzidas pelas autoridades competentes e esperam a responsabilização de todos os envolvidos. O caso continua a ser acompanhado de perto por investidores e reguladores.

Essa notícia foi publicada originalmente em: Fraude nas Americanas: troca de emails expõe estratégia da empresa (uol.com.br)