A dívida tributária não é apenas um problema financeiro. Em determinadas situações, ela pode se transformar rapidamente em um problema penal, capaz de comprometer o patrimônio da empresa, a reputação dos sócios e até a liberdade de seus administradores.
O que poucos empresários sabem é que nem toda dívida gera crime, mas algumas condutas específicas, se não forem corrigidas a tempo, podem resultar em denúncia criminal, bloqueios judiciais, investigações fiscais e responsabilização pessoal de quem administra a empresa.
Este artigo foi escrito para explicar, de forma prática e direta, quando há crime tributário, quem pode responder criminalmente e como evitar que uma dívida fiscal evolua para uma ação penal.
Quando a dívida tributária vira crime (e quando não vira)
A legislação brasileira diferencia claramente a inadimplência tributária comum (não pagar um imposto declarado) das condutas tipificadas como crimes tributários, previstas principalmente na Lei nº 8.137/90 e em dispositivos do Código Penal.
Não pagar tributo declarado não é crime
Se a empresa declara corretamente o tributo, mas não consegue pagar, a situação é de inadimplência, não de crime.
Exemplos que não configuram crime:
- deixar de pagar ICMS declarado por falta de caixa;
- atrasar o recolhimento de tributos próprios;
- aderir a parcelamentos fiscais.
Essas situações geram multas, juros e cobrança administrativa ou judicial, mas não caracterizam infração penal.
Atenção: existe uma exceção relevante — e extremamente perigosa.
ICMS cobrado do consumidor e não recolhido: quando vira crime
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que o não recolhimento do ICMS declarado e cobrado do consumidor final pode configurar crime tributário, desde que presentes dolo e reiteração da conduta.
O enquadramento ocorre no art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, que trata da não entrega ao fisco de tributo cobrado de terceiro.
Na prática, isso significa o seguinte:
Se a empresa vende um produto ou serviço, cobra o ICMS embutido no preço pago pelo consumidor e não repassa esse valor ao Estado, a conduta pode ser interpretada como apropriação tributária.
Riscos reais dessa conduta
- instauração de inquérito policial;
- denúncia criminal contra os administradores;
- audiências e constrangimentos pessoais;
- elevados custos com defesa jurídica;
- possibilidade de condenação, com pena de 6 meses a 2 anos de reclusão.
Quem pode responder criminalmente
- sócio-administrador;
- diretor financeiro;
- gestores com poder efetivo de decisão;
- administradores de fato, ainda que não constem formalmente no contrato social.
Crimes tributários relacionados à folha de pagamento (INSS)
Além dos tributos estaduais e federais, existem riscos penais relevantes ligados às contribuições previdenciárias.
Apropriação indébita previdenciária
Ocorre quando a empresa retém o INSS do empregado e não repassa os valores à Previdência Social.
- Pena prevista: 2 a 5 anos de reclusão, além de multa.
Sonegação previdenciária
Configura-se quando a empresa:
- omite salários;
- frauda informações no eSocial ou na GFIP;
- simula vínculos de trabalho;
- reduz artificialmente a base de cálculo das contribuições.
- Pena prevista: 2 a 5 anos de reclusão.
Observação importante: o pagamento ou parcelamento do débito antes do oferecimento da denúncia costuma suspender a punibilidade, conforme entendimento consolidado.
Fraudes fiscais formalmente tipificadas (as que mais condenam)
A Lei 8.137/90 tipifica diversas condutas com alto índice de condenação, entre elas:
- emissão ou utilização de notas fiscais falsas;
- subfaturamento de operações;
- manipulação indevida de MVA ou ICMS-ST;
- criação de empresas “laranjas”;
- omissão de receitas no SPED, ECD ou ECF;
- simulação de operações interestaduais.
As penas variam de 2 a 5 anos de reclusão, podendo ser aumentadas conforme a gravidade da conduta e o prejuízo causado ao fisco.
Quem responde por crime tributário na empresa
A responsabilidade penal, nesses casos, é pessoal — não da pessoa jurídica.
Respondem criminalmente aqueles que:
- possuem poder de gestão tributária;
- tomam decisões financeiras relevantes;
- assinam documentos fiscais;
- administram a empresa de fato, ainda que informalmente.
A empresa pode ter dívida.
Mas quem se torna réu são pessoas físicas.
Como evitar responsabilização penal: checklist do administrador
- regularizar débitos tributários antes de qualquer fiscalização;
- revisar SPED, ECD, ECF, DCTF, eSocial e demais obrigações acessórias;
- documentar a boa-fé por meio de consultas formais, retificações e pareceres técnicos;
- corrigir erros técnicos envolvendo ICMS-ST, MVA e créditos tributários;
- estruturar uma política interna de governança e compliance fiscal.
Transação tributária: o caminho mais seguro para quem já tem dívida
A transação tributária, prevista na Lei nº 13.988/2020, é hoje uma das ferramentas mais eficazes para empresas endividadas.
Entre seus principais benefícios estão:
- redução de multas e juros;
- parcelamentos longos e viáveis;
- suspensão de execuções fiscais;
- redução significativa do risco penal enquanto o acordo estiver em vigor.
No âmbito federal, a transação ocorre pelo portal Regularize – PGFN.
Estados e municípios também possuem programas próprios.
Conclusão: dívida se negocia. Crime se evita.
O empresário que compreende a diferença entre inadimplência tributária e crime tributário toma decisões mais seguras, protege o patrimônio da empresa e evita riscos pessoais desnecessários.
A regra é simples:
- Dívida se negocia.
- Crime se evita.
Enquanto a empresa não se organiza, o risco penal não dorme.


