O ESTRANHO

Um conto repleto de segredos, um suspense para deixar sua sexta-feira envolvida em mistério!

Em uma pequena e movimentada cidade, envolta pelo constante nevoeiro do outono, ergue-se um prédio tão antigo quanto os segredos que guarda. O edifício, de tijolos desgastados e janelas que refletem o brilho trêmulo dos lampiões das ruas, abriga uma variedade de escritórios, cada um com suas próprias peculiaridades e histórias.

No terceiro andar, longe dos olhares curiosos dos transeuntes, encontra-se o escritório do Dr. Henrique Almeida, um advogado renomado por sua habilidade em casos quase impossíveis. O escritório é repleto de livros antigos, pilhas de documentos e artefatos que Henrique coletou ao longo dos anos. Mas o verdadeiro mistério reside em uma gaveta trancada de sua escrivaninha, sempre cuidadosamente evitada em suas conversas.

Numa tarde chuvosa de quinta-feira, enquanto o vento assobiava pelas frestas das janelas, uma figura encapuzada adentrou o prédio. Com passos silenciosos, dirigiu-se diretamente ao escritório de Henrique. A porta, normalmente trancada após o expediente, estava estranhamente entreaberta.

O estranho deixou atrás de si uma trilha de gotas de água que refletiam a pouca luz do corredor. Ao entrar, fechou a porta com cuidado, seus olhos fixos na escrivaninha ao fundo da sala. Era evidente que sabia exatamente o que procurava. Deslizando pelos móveis com a familiaridade de quem já estivera ali antes, aproximou-se da escrivaninha e, sem hesitação, inseriu uma chave na fechadura da gaveta proibida, deixando um pequeno envelope lacrado com cera vermelha.

Na manhã seguinte, Henrique encontrou o envelope na gaveta. Ao abri-lo, viu uma simples mensagem escrita com uma caligrafia elegante: “A verdade virá à tona.” Acompanhando a frase, uma fotografia antiga de Henrique com uma figura sombria aumentou seu desconforto. O passado que ele tanto queria esquecer ameaçava retornar.

Consumido pela preocupação de que seus segredos mais obscuros pudessem ser revelados, Dr. Henrique instalou câmeras ocultas em seu escritório, sem que ninguém soubesse, somente ele. 

Depois de alguns dias, as câmeras capturaram a figura de Laura, sua assistente de longa data, andando, de forma errática pelos corredores da empresa, como se estivesse sofrendo uma crise de sonambulismo.

Este fato aconteceu em um domingo, quando, supostamente, ninguém estaria ali, visto que não era comum trabalharem aos domingos.

Confrontada com a imagem, Dona Laura, como era chamada, ficou perplexa, pois neste dia sequer havia estado na empresa. Segundo ela, tinha ido a um encontro em sua igreja, na companhia de diversas amigas. 

Teria sido um erro do sistema de imagens a data? Mas, Dona Laura sequer lembrava de ter andado daquela forma, em qualquer outro dia da semana. 

Um sentimento de pânico tomou conta de Dr. Henrique. Consumido pela paranoia e incapaz de confiar em qualquer um ao seu redor, viu-se no escuro de um mar revolto, completamente à deriva. Ele era escravo de seus piores pensamentos.

O medo constante de que seus segredos mais obscuros fossem revelados o isolou completamente. Ele passou a viver em um estado de alerta contínuo, torturado pelo passado, assustando-se ao menor dos ruídos e sombras que dançavam nas paredes de seu escritório.

A cada dia que passava, sua mente se tornava um labirinto mais emaranhado de suspeitas e medo. Incapaz de se concentrar no trabalho ou manter qualquer tipo de relação social, Henrique recorreu a medicamentos fortes para aplacar sua ansiedade e insônia. 

A dose necessária para trazer algum alívio, todavia, crescia exponencialmente, refletindo a profundidade de seu desespero. Ele havia perdido o controle de sua vida!

Quase ao final de uma noite de torturas mentais, a angústia tornou-se insuportável. Doutor Henrique, em um impulso de desespero, subiu ao vigésimo andar do prédio antigo. Passou por uma portinhola apertada, e chegou ao alto do prédio, olhando a cidade, que adormecia, totalmente alheia aos demônios que o atormentavam.

Olhando para baixo, para as ruas envoltas pelo nevoeiro da manhã que não demoraria chegar, ele deu um último suspiro, antes de deixar seu corpo cair, em um voo mortal para a morte. 

Seu corpo parcialmente despedaçado repousava inerte, em uma larga sacada, que cobria a entrada do velho edifício. 

Como em um dia normal, a cidade acordava, sem saber da tragédia que havia ocorrido. 

Dias depois, em outra cidade, do outro lado do mundo, uma mulher alta, muito bonita, cabelos ruivos, usando uma longa capa de chuva que encobria parcialmente o seu belo rosto, deixava, na caixa de correio de uma bela mansão, um envelope lacrado, endereçado a um morador específico daquela linda residência.

Dentro do envelope, um bilhete e um gravador, contendo uma fita… E uma mensagem!

André Mansur Brandão

Advogado