Motorista banido do iFood sem justificativa será indenizado

Reprodução: Freepik.com

Ao descadastrar o homem sem comprovação dos motivos, a plataforma feriu o princípio da boa-fé e cometeu abuso de direito.

Uma juíza da 24ª Vara Cível de Curitiba/PR determinou que o iFood providencie o recredenciamento e indenize em R$ 15 mil um motorista que foi bloqueado sem justificativa. Ao analisar o caso, a magistrada destacou que a empresa não apresentou qualquer motivo concreto para tal decisão.

Nos autos, o motorista relatou que estava vinculado à plataforma e tinha boas avaliações, mas foi banido em dezembro de 2020 sob a alegação de descumprimento dos termos e condições de uso. Ele afirmou que entrou com uma reclamação, mas não recebeu justificativa. Assim, ele moveu uma ação solicitando indenização por danos morais e materiais, além de pedir a reintegração na plataforma.

O iFood, em sua defesa, argumentou que não havia elementos para conceder a obrigação de fazer, alegando que o bloqueio foi realizado de forma lícita, após receber várias denúncias de extravio de mercadoria, o que violaria os termos e condições de uso do sistema.

Ao analisar o caso, a juíza observou que, embora a plataforma tenha o direito de remover a conta de qualquer usuário que não cumpra os requisitos acordados, a empresa não apresentou qualquer motivo concreto que justificasse a exclusão da conta do motorista.

Conforme declarou a magistrada, era responsabilidade do aplicativo detalhar quais denúncias motivaram a suspensão da conta, quais condutas foram consideradas ofensivas aos termos, quais entregas foram suspeitas, e quem foram os consumidores lesados, para que se pudesse analisar se, de alguma forma, o motorista havia realmente violado, mesmo que superficialmente, os mencionados termos de uso ou padrões da plataforma.

Além disso, a juíza destacou que, ao descadastrar o motorista da plataforma sem comprovação dos motivos, utilizando apenas seu poder discricionário, a empresa violou o princípio da boa-fé e cometeu abuso de direito.

Assim, a juíza julgou o pedido parcialmente procedente, determinando que a plataforma recredencie o motorista no prazo de cinco dias, sob pena de multa diária. Além disso, condenou a ré ao pagamento de R$ 15 mil por danos morais.

Fonte: Migalhas

Essa notícia foi publicada originalmente em: iFood indenizará em R$ 15 mil motorista banido do app sem provas (migalhas.com.br)

UM TIRO PELA CULATRA!

Uber, gigante dos aplicativos de transporte, pode ter cometido um erro fatal ao questionar os direitos trabalhistas dos motoristas no Supremo Tribunal Federal.

A expressão “tiro pela culatra” tem origem no funcionamento de armas de fogo antigas, como mosquetes e arcabuzes. Essas armas eram carregadas pela culatra, que é a parte traseira da arma.

O processo de carregamento era lento e perigoso, pois envolvia a manipulação de pólvora e chumbo. Se a pólvora fosse mal colocada ou se a arma não estivesse bem fechada, o tiro poderia sair pela culatra.

Quando isso acontecia, o atirador era ferido ou morto, geralmente por causa da explosão da pólvora. Era um acidente grave e, muitas vezes, fatal.

Com o tempo, a expressão “tiro pela culatra” passou a ter um significado figurativo. Ela é usada para descrever uma situação em que uma ação tem o resultado oposto ao desejado. Em outras palavras, é quando algo que você faz para resolver um problema acaba criando um problema ainda maior.

Chegou ao Supremo Tribunal Federal, no dia 29 de junho de 2023, o recurso extraordinário nr. 1446336, em que a Uber pretende afastar, de vez, a discussão sobre eventuais direitos trabalhistas dos motoristas por aplicativos.

O que parece ter sido um movimento correto e esperado, contudo, pode vir a se tornar um verdadeiro “tiro pela culatra”, ou seja, acertar em cheio a própria Uber e seus interesses.

Desde que nosso Escritório conseguiu a primeira vitória contra a Uber no Brasil, perante a Justiça do Trabalho, milhares de outras ações acabaram sendo ajuizadas.

Diversos acordos foram feitos, beneficiando muitos motoristas por aplicativos e, claro, suas famílias.

De uma certa forma, até a Uber interpor no STF o Recurso Extraordinário, havia um certo equilíbrio no sistema. Isso porque tanto a Uber quanto sua maior concorrente, a 99, faziam acordos bem suaves perante a Justiça do Trabalho, em condições e valores apenas razoáveis para os motoristas, mas altamente vantajosos para elas.

Ao levar a questão para o STF, nossa Corte Maior reconhecerá a chamada “repercussão geral” que, do ponto de vista prático, irá suspender todas as ações em curso na Justiça do Trabalho. O final da história somente acontecerá após longo julgamento na Suprema Corte.

Mas, enquanto isso…

Com seu ato totalmente equivocado, a nosso ver, a Uber tem grandes chances de vencer, de forma definitiva, a controvérsia sobre a existência ou não de vínculo de emprego, mas mergulhará no oceano hostil do direito contratual.

Na Justiça Comum, onde a questão não se resume aos direitos trabalhistas, a Uber já vem sofrendo importantes derrotas, muito mais pesadas que os suaves acordos que faz, em valores baixos, na Justiça do Trabalho.

Mas isso vai piorar muito mais!

Na Justiça Comum, o escopo da discussão é muito mais amplo. Questões que nem sequer são tocadas perante a Justiça especializada do Trabalho, por não estarem ligadas a relações de emprego, serão esmiuçadas e amplificadas. E as empresas de aplicativos terão que se explicar, judicialmente, pelos seus abusos e ilegalidades.

Esse é o problema de não se entender o que está por detrás da questão dos direitos dos motoristas, que faturam bilhões e bilhões para as empresas que os exploram. As consequências do deslocamento da discussão da Justiça do Trabalho para a Justiça Comum, consequentemente para as varas cíveis, vai fazer a Uber odiar ter “vencido”!

Suas exclusões arbitrárias de motoristas, os bloqueios sem motivos, a responsabilidade perante terceiros e, claro, a famigerada tarifa dinâmica, que já está na mira do Ministério Público, farão a Uber sentir saudades dos acordos “fofos” que fazia perante a Justiça do Trabalho, em um mundo aparentemente equilibrado.

Principalmente a Uber, que ignora qualquer regra de direito contratual, terá que abrir a forma como ganha dinheiro, desnudar seus pecados, lidar com seus demônios e, principalmente, explicar o porquê da exclusão absurda e abusiva de milhares de mães e pais de família de sua plataforma.

Exclusão essa feita sem qualquer justificativa, usando de um contrato altamente cruel, invisível e abusivo, mas que será exposto perante a Justiça Comum, com todas as suas imperfeições.

As empresas deverão explicar à sociedade os motivos de tantos cancelamentos de chamados de motoristas e o porquê dos abusivos preços advindos da tarifa dinâmica, que onera a sociedade, mas em quase nada beneficia o motorista, que aloca toda a estrutura – física e pessoal – na prestação do serviço de transporte.

E, claro, enfim essas empresas serão responsabilizadas pelos riscos de seu negócio, como exige a essência do sistema capitalista.

Na obsessão de negar direitos àqueles que fazem todo o sistema girar (os milhões de motoristas espalhados por todo o Brasil), essas empresas cometeram o grave erro de entender que, ainda que não sejam direitos trabalhistas, todos possuem direitos!

E os direitos contratuais são muito mais cruéis e pragmáticos do que a filosófica discussão sobre vínculo de emprego, pois têm como pano de fundo a sociedade e as pessoas, que não aceitarão mais pagarem valores absurdos cobrados por empresas que escondem, a sete chaves, a formação abusiva de seus preços, escondida sob o manto escuro da “tarifa dinâmica”!

Sejam bem-vindas, empresas de transporte por aplicativos, à Justiça Comum! Onde todos os pecados praticados serão expostos e deverão ser espiados!

A maior consequência de atirar sem pensar é que o tiro pode sair pela culatra. E acertar em quem atirou!

André Mansur Brandão

Advogado