Uma reflexão sensível e atual sobre o impasse entre o trabalho presencial e o home office: seus desafios, suas nuances e o quanto nossas escolhas profissionais impactam diretamente nossa qualidade de vida.
Dizem que o lar é onde o coração está. Para muitos profissionais hoje, o lar também é onde o notebook repousa, o café está sempre fresco e o fone de ouvido se tornou escudo e conexão com o mundo. De acordo com um reportagem recente, uma parte significativa dos trabalhadores brasileiros prefere abrir mão do emprego a abrir mão do home office. A radicalidade da decisão talvez assuste, mas não surpreende quem entendeu que qualidade de vida é tão valiosa quanto o contracheque.
Depoimentos de alguns profissionais que se posicionaram na reportagem citada a respeito do assunto, usando nomes fictícios para preservar sua identidade, esclarecem alguns pontos importantes. Por exemplo, o da publicitária Maria Fernanda Dutra, que deixou o emprego quando foi chamada de volta ao presencial. “Queria continuar cuidando da minha casa, do meu bem-estar e da minha saúde mental”, disse. Para ela, trabalhar de casa não era uma fuga da rotina, mas uma reconciliação com ela. Seu novo emprego, também remoto, é o que ela chama de “pacote completo”: tempo para o almoço em família, menos estresse no trânsito, mais autonomia. É o que muitos vêm chamando de “salário emocional”.
Se pensarmos nas mulheres com filhos pequenos ou que precisam cuidar de familiares idosos, o home office não é um privilégio, mas uma necessidade. A analista de marketing Sara Magalhães destacou como o trabalho remoto a protege dos riscos de deslocamento nos grandes centros urbanos. “Tem muito assédio no transporte público. É um alívio trabalhar de casa”, afirma. Além disso, a presença mais constante em casa permitiu que ela acompanhasse mais de perto o desenvolvimento do filho pequeno — algo que o modelo presencial nunca permitiu.
Há ainda quem, mesmo jovem e solteiro, perceba os benefícios invisíveis dessa nova forma de trabalhar. Pedro Gonçalves, de 25 anos, mencionou que voltar ao presencial o fez sentir-se menos produtivo. A lógica é simples: o tempo que se gasta no deslocamento poderia ser usado em descanso, lazer ou estudo. Em casa, diz ele, a produtividade é maior porque a vida fica mais leve.
Por outro lado, muitos empresários ainda veem com cautela a adesão ao trabalho remoto. Há quem acredite que essa mudança está comprometendo a produtividade. “O sistema de trabalho, como conhecíamos, corre o risco de se perder. A socialização, o trabalho em equipe, se torna difícil quando estamos apenas em nossas casas”, diz um empresário. Isso se reflete nas diferentes atitudes dentro das empresas. Alguns funcionários, apesar de terem a liberdade de trabalhar de casa, escolhem voltar ao escritório por uma simples necessidade de interação social, algo que o trabalho remoto não oferece.
Outro empresário observa que, embora o trabalho remoto seja uma opção válida para muitos, “cada caso é um caso”. Ele compartilha a experiência de um funcionário que enfrenta uma jornada de até cinco horas diárias de transporte público. Para essa pessoa, o home office não só é uma opção mais prática, mas também uma oportunidade de melhorar sua qualidade de vida. Por outro lado, ele aponta que, para alguns, o trabalho remoto pode prejudicar o comprometimento, já que muitos não mantêm a mesma disciplina em casa.
Esse impasse se reflete também em como as empresas medem a produtividade de seus funcionários. O Banco do Brasil, por exemplo, realiza diversos testes para assegurar que a jornada de trabalho está sendo cumprida adequadamente. Isso evidencia uma insegurança crescente de que a ausência do “olho no olho” pode gerar lacunas no compromisso de alguns profissionais. E é nesse ponto que o impasse se aprofunda: seria o controle a única garantia de que há trabalho acontecendo?
Eu mesma trabalho de forma remota e sei da responsabilidade e disciplina que isso exige. Produzo, entrego, cumpro prazos; mas também reconheço que nem todos trabalham com o mesmo grau de comprometimento. A insegurança dos empregadores não é apenas paranoia, é reflexo de uma realidade em que o comprometimento pessoal nem sempre acompanha a flexibilidade do modelo.
Fato é que não podemos ignorar os argumentos de quem defende o presencial. O contato humano, as trocas espontâneas no corredor, o café que vira brainstorm. Para muitos líderes, é assim que se constrói cultura organizacional. E para alguns funcionários, o trabalho remoto pode se tornar isolamento. Nem todos têm estrutura adequada em casa, e há quem precise sair para conseguir se concentrar. O escritório, para alguns, é refúgio — não castigo.
O modelo híbrido parece ser o meio-termo ideal, mas não sem seus próprios dilemas. Um ou dois dias presenciais por semana podem parecer inofensivos, mas exigem toda uma logística que envolve transporte, roupas adequadas, refeições e reorganização da rotina familiar. Nem sempre é viável. Portanto, o que para o empregador é equilíbrio, para o empregado às vezes pode ser confusão.
Estamos, então, diante de um impasse legítimo. Não há fórmula mágica, apenas a certeza de que precisamos ouvir mais e padronizar menos. Talvez, o futuro do trabalho resida justamente na personalização das relações laborais, respeitando o contexto de vida de cada um.
Afinal, trabalhar é viver também. E viver exige escolhas que vão além do ponto eletrônico. E assim seguimos, entre planilhas e panelas, entre reuniões e brinquedos espalhados no chão, tentando entender qual é o nosso lugar no mundo do trabalho. E se esse lugar tem endereço fixo… ou Wi-Fi estável.
Anéria Lima – Redação André Mansur Advogados Associados