Um relato marcante sobre a dura realidade vivida por motoristas de aplicativos e entregadores de comida.

☞ Escrito por: André Mansur Brandão

Não são mulheres, não são homens, não são seres humanos: são números!

Quando conseguimos a primeira vitória do Brasil em uma ação trabalhista, reconhecendo os direitos dos motoristas de aplicativos, fomos muito elogiados. E criticados.

Os que entenderam nosso objetivo, ao processarmos a então toda-poderosa UBER, comemoraram o que seria o início de uma série de novas decisões favoráveis, que dariam um pouco de dignidade a uma relação completamente desigual.

Os duros críticos, quase todos antigos usuários do desumano transporte coletivo das grandes cidades brasileiras, que mais se assemelha a transporte de gado, sentiram medo de perder acesso a um sistema que, de fato, promoveu uma verdadeira revolução na qualidade de vida das pessoas e grande acessibilidade urbana.

A chamada economia compartilhada traz benefícios inegáveis, mas … A que preço?

Nos dias que se seguiram, entre aplausos e ameaças, nosso Escritório foi literalmente invadido por uma multidão de clientes, pessoas que foram excluídas, de forma totalmente abusiva da plataforma, sem sequer saberem o porquê.

O caso de um dos clientes que atendi me tocou como há muito tempo. E digo que já vi, em mais de 20 anos de prática intensa da Advocacia, coisas demais, mais do que eu gostaria de ter visto.

Um homem de aproximadamente 40 anos de idade sentou-se à minha frente, em minha sala, e começou a chorar, de forma intensa, copiosa.

Por cerca de 15 minutos, somente se ouviam os soluços de desespero de um homem visivelmente abatido, cansado e espiritualmente exausto.

Infelizmente, ouvir choros não é novidade em minha profissão.

A experiência me ensinou que, quando isso acontece, a melhor forma de lidar é deixar a pessoa desabafar, e aguardá-la se estabilizar.

As lágrimas e soluços do homem, contudo, eram tão sentidos, tão desesperados, que me deixaram totalmente sem ação. E assim, permaneci em silêncio pela eternidade que durou o momento.

Quando conseguiu se estabilizar, o homem estava visivelmente envergonhado e constrangido. Só quem é homem sabe o quanto é difícil chorar diante de outro homem. Chamem isso do que quiserem.

O que o homem disse, em seguida, foi mais doloroso do que se eu tivesse levado uma surra, pois eram palavras saindo da boca de um pai de família, como eu.

“Doutor, eu sou engenheiro. Estou desempregado há muitos anos, vinha vivendo de ‘bicos’. Dizem que a Uber é para onde vão todos os desempregados, todos os que não conseguem arrumar nada na vida. Antes eu achei que não servia para nada. Agora, nem para isso eu sirvo!”

Acho que se eu tivesse sido espancado por uma turma não teria sentido tanta dor quanto senti ali.

Tinham tirado daquele homem tudo, até mesmo a sua dignidade. Ele não tinha nada e havia perdido tudo.

Para os que gostam de um final “feliz”, conseguimos, através de um acordo, retorná-lo para a plataforma. Para nós, era muito pouco, mas, para aquele homem, era muita coisa. Era voltar a viver, com o resto de dignidade que havia sobrado.

Centenas de casos sucederam-se a este. Cada um com a sua história própria, com o seu drama pessoal. Mas todos com algo muito em comum: a relação dos aplicativos com essas pessoas, de carne e osso, é cruel, sanguinária, e mostra as mazelas do que o sistema capitalista tem de pior.

IFOOD não fica atrás.

Na verdade, este incrível mecanismo de entrega de comida, que foi um dos grandes responsáveis pelo não desabastecimento durante a pandemia, tem para com os profissionais que operam o sistema, ciclistas e motociclistas, uma relação ainda mais selvagem e desumana.

Milhares de mulheres e homens, meninas e meninos, muitos, com menos de 20 anos de idade, arriscam suas vidas diariamente, seja enfrentando o vírus, seja enfrentando o trânsito, ambos mortais.

Em troca de uma remuneração ridícula, sem qualquer tipo de segurança, garantia, simplesmente porque essas empresas não os vêem como seres humanos.

São números!

Estatísticas de acidentes e mortes de pessoas que, ou deixam de existir, ou são se tornam incapacitadas, para o resto de suas duras vidas, muitas vezes curtas.

Para quem não tem nada, ter esperança pode ser tudo!

A boa notícia é que, se existem homens que exploram homens, sem nada devolver para a sociedade, existem outros que dedicam suas vidas a lutar por direitos.

Desde a primeira decisão vitoriosa que conseguimos, a Justiça abriu os olhos para esta triste, porém real situação e vem, a cada dia, apertando o cerco contra as empresas, no sentido de que forneçam condições mínimas, que garantam um mínimo de dignidade humana para essa tão sofrida parcela da sociedade.

Por isso, quando estiverem sendo transportados pelos motoristas de aplicativos, ou quando receberem seus pedidos, no aconchego de seus lares, ou no conforto de seus escritórios, devolvam, a estas pessoas, carinho e reconhecimento.

Eles são uma parte importante de nossa economia, de nossa sociedade. São como nós, pessoas humanas, de carne, ossos e sentimentos.

E merecem respeito!

André Mansur Brandão
Diretor-Presidente

ANDRÉ MANSUR ADVOGADOS ASSOCIADOS

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