Uma análise profunda sobre o fenômeno dos bebês reborn, os limites entre afeto simbólico e realidade, além das implicações psicológicas e legais envolvidas.
Eles dormem em bercinhos, usam fraldas, recebem nomes e até são levados a consultas médicas — tudo como se fossem filhos de verdade. Os bebês reborn, bonecas hiper-realistas que imitam recém-nascidos, vêm ganhando espaço nas redes sociais e nos tribunais. Também vêm levantando polêmicas sobre os limites do afeto humano e da fantasia. Neste artigo, respondemos às principais questões sobre o tema, explorando o que há por trás desse apego emocional, os riscos à saúde mental e os desafios legais que começam a surgir diante de uma realidade cada vez mais simbólica e complexa.
O que são bebês reborn e por que estão em evidência?
Bebês reborn são bonecas hiper-realistas, confeccionadas artesanalmente com materiais como vinil e silicone, que imitam com precisão recém-nascidos, incluindo peso, textura da pele e até batimentos cardíacos simulados. Originalmente criados para fins terapêuticos, como auxiliar no luto gestacional ou em treinamentos de enfermagem, esses bonecos ganharam popularidade nas redes sociais, com adultos — principalmente mulheres, compartilhando rotinas diárias com eles, como se fossem filhos reais.
Quais são as motivações psicológicas por trás do apego aos bebês reborn?
O apego a bebês reborn pode ser motivado por diversas razões psicológicas:
- Elaboração de perdas e traumas: Para algumas pessoas, especialmente aquelas que enfrentaram perdas gestacionais ou infantis, os bebês reborn funcionam como uma forma simbólica de expressar e reorganizar a dor da perda;
- Regulação emocional e redução da solidão: Em casos de solidão, depressão ou ansiedade, cuidar de um bebê reborn pode proporcionar uma sensação de rotina, companhia e pertencimento;
- Desejo de controle: Diferentemente de um bebê real, o reborn é passivo e previsível, oferecendo uma experiência de maternidade idealizada sem os desafios reais, o que pode atrair pessoas que buscam controle em suas vidas.
O que o nome “reborn” revela sobre esse fenômeno?
Curiosamente, o nome reborn vem do inglês e significa “renascido” — e não “recém-nascido”, como seria mais apropriado à aparência hiper-realista dessas bonecas. A escolha do termo não é trivial, pois ele carrega um peso simbólico importante: sugere a ideia de reviver algo, de dar nova vida a uma experiência emocional. Ou seja, sugere que há algo a ser revivido, trazido de volta à vida. Talvez um vínculo perdido, um trauma não elaborado, uma saudade que se eterniza.
Muitas vezes, esse “renascimento” está ligado à tentativa de resgatar um vínculo que se perdeu, como no caso de mães que sofreram abortos espontâneos, perdas neonatais ou que enfrentam a solidão materna ou o luto. Não se trata apenas de simular a chegada de um bebê, mas de preencher lacunas emocionais profundas; de dar uma nova chance à experiência emocional que um dia foi interrompida ou nunca vivida.
Por isso, não é raro ver mães que perderam filhos ou que enfrentam a solidão criando vínculos profundos com essas bonecas. Ao nomear a boneca como “renascida”, o que se busca, conscientemente ou não, é uma segunda chance para vivenciar o que foi interrompido — o que explica a força simbólica e o apego que muitos desenvolvem. O “renascimento” oferecido pelo bebê reborn parece atender a uma carência simbólica, e é aí que mora o risco: quando o simbólico quer tomar o lugar do real.
Quais são os riscos psicológicos associados ao uso excessivo de bebês reborn?
Embora possam oferecer conforto temporário, o uso excessivo de bebês reborn pode indicar ou agravar questões psicológicas:
- Desconexão emocional: Substituir interações humanas por vínculos com objetos inanimados pode levar ao isolamento social;
- Apego excessivo: Tratar o boneco como um ser vivo permanente pode ser um indicativo de transtornos psiquiátricos, como transtorno de personalidade ou esquizofrenia;
- Negação da realidade: Acreditar que o bebê reborn é real pode sinalizar uma ruptura com a realidade, exigindo intervenção profissional.
Quais são as implicações legais do tratamento de bebês reborn como filhos reais?
O crescente apego emocional aos bebês reborn tem levado a situações jurídicas inusitadas. Recentemente, um casal procurou a justiça solicitando a guarda compartilhada de um bebê reborn. O argumento não se baseava apenas no vínculo afetivo, mas também na monetização do perfil do boneco nas redes sociais, que conta com milhares de seguidores e gera receita por meio de parcerias com marcas de roupas e acessórios infantis.
Além disso, há relatos de pessoas buscando atendimento médico para os bonecos em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), alegando sintomas como febre ou mal-estar. Tais situações têm gerado debates sobre o uso indevido de serviços públicos e a necessidade de estabelecer limites claros entre o simbólico e o real.
Diante desses casos, juristas e legisladores começam a discutir a criação de normas específicas para regular o uso e a representação dos bebês reborn em contextos legais e sociais, visando evitar abusos e proteger tanto os indivíduos quanto as instituições envolvidas.
Como a psicoterapia pode ajudar pessoas com apego excessivo a bebês reborn?
A psicoterapia pode ser fundamental para:
- Identificar gatilhos emocionais: Compreender as razões subjacentes ao apego ao boneco;
- Trabalhar traumas e lutos: Auxiliar na elaboração de perdas não resolvidas;
- Reforçar vínculos reais: Promover conexões humanas genuínas e saudáveis.
Como as redes sociais e a monetização influenciam o fenômeno dos bebês reborn?
As redes sociais desempenham um papel significativo e central na popularização dos bebês reborn. Influenciadores compartilham rotinas detalhadas com os bonecos, incluindo “partos”, trocas de fraldas e passeios em locais públicos. Além disso, promovem encontros e criam comunidades dedicadas. Esse ambiente pode reforçar comportamentos de apego excessivo, além de diluir os limites entre fantasia e realidade.
Esses conteúdos atraem grandes audiências e, consequentemente, oportunidades de monetização por meio de parcerias com marcas de roupas, acessórios e produtos infantis. Por exemplo, a influenciadora Elaine Alves, conhecida como Nane Reborns, possui uma coleção avaliada em cerca de R$ 28 mil e compartilha vídeos de sua rotina com os bonecos em plataformas como TikTok e Instagram. Ela também participa de encontros de “mães reborn” e realiza parcerias comerciais com artesãs e lojas especializadas.
Esse cenário levanta questões sobre a exposição de conteúdos que simulam a maternidade e a infância, especialmente quando envolvem a monetização e a influência sobre o público, incluindo crianças e adolescentes. Especialistas alertam para a necessidade de regulamentação e orientação adequada para evitar impactos negativos na percepção da realidade e nas relações sociais.
Conclusão
A ascensão dos bebês reborn revela muito mais do que um hobby inofensivo ou uma moda passageira. Estamos diante de um fenômeno social que mistura carência afetiva, fantasia, mercado digital e até judicialização das relações. É um retrato dos tempos em que vivemos, marcados pela intensificação das conexões simbólicas, pela busca de afeto em objetos e pela projeção de vínculos emocionais em experiências cuidadosamente roteirizadas para as redes sociais. O que começou como um nicho artístico e terapêutico evoluiu para um mercado altamente lucrativo e, agora, para um terreno delicado do ponto de vista jurídico.
Nas redes sociais, onde a realidade é constantemente encenada e recompensada, os bebês reborn ganham status de “influencers mirins”, com milhares de seguidores, contratos de patrocínio e até linhas de produtos personalizados. A monetização desses perfis transforma o afeto simbólico em fonte de renda, o que intensifica ainda mais o apego e estimula a continuidade da fantasia. A linha entre o lúdico e o preocupante, entre o simbólico e o patológico, precisa ser observada com atenção por profissionais da psicologia, do direito e da comunicação.
Ao final, a questão que fica é: até onde vai o direito de cada um de construir sua própria narrativa afetiva e simbólica, e onde começa o dever do Estado, da Justiça e da sociedade em colocar limites quando essas narrativas começam a interferir na realidade coletiva? O debate já começou, e ele é urgente!
Anéria Lima (Redação)